Rio Vermelho se prepara para festa com segredo de presente mantido
A revelação do segredo chegará com os primeiros raios de sol. Para ser mais preciso, às 4h desta sexta-feira, 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. Antes disso, nem adianta tentar arrancar qualquer pista que seja com os cerca de 2 mil pescadores associados à Colônia Z1 do bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Eles são firmes na resposta, e não dão brechas para forasteiros, e sobretudo jornalistas que querem saber qual será a próxima oferenda à Rainha do Mar. “Por sinal, eu sei, mas não posso sair distribuindo por aí”, acoberta o pescador Jorge Amorim, o Azul, 72 anos.
O fato é: enquanto não sabemos o que será oferecido ao orixá, por lá tudo está sendo preparado para sua festa. As calçadas estão sendo pintadas, o barracão em frente à colônia está quase pronto e os primeiros ambulantes vão chegando para armar suas barracas.
A cerimônia acontecia de forma mais discreta e simples em uma praia do Monte Serrat, na Cidade Baixa, onde apenas o povo de santo depositava os balaios nas águas da Península Itapagipana. Já no início do século 20, entre 1918 e 1924, no Rio Vermelho, é que os pescadores e meia dúzia de agregados começaram a presentar Iemanjá.
Mas a festa, é importante deixar claro, estava longe de ser a que conhecemos hoje. Relatos de três pescadores a jornais da época ajudam a entender como a as comemorações foram construídas ao longo dos anos. Inclusive, nesse período, nem a própria festa era dedicada ao orixá. Até o final da década de 50, a homenageada era Nossa Senhora de Santana.
Nesse período algum pescador teve a ideia de colocar em uma caixa de papelão uma boneca de plástico e, ao seu lado, um perfume. É o primeiro registro que se tem de algo comparado à oferenda atual. Por sugestão da mãe de Santo Julia Bugã, os pescadores começaram a produzir com mais esmero os mimos para Iemanjá, que à época era chamada de Rainha das Águas – ela passa a ser chamada de Iemanjá com mais frequência, ainda de acordo com Cadena, depois das obras de Dorival Caymmi e Jorge Amado.
Ano passado, por exemplo, o regalo foi uma imagem de Iemanjá, mas também já teve tartarugas, pentes e coroas, todos produzidos por artistas plásticos.
Inclusive foi através do jogo que Mãe Jacira recebeu a permissão de preparar a festa e substituir Mãe Aice. A troca, à época, causou um certo “desconforto” já que, segundo os pescadores, era unânime entre eles a vontade de que Mãe Aice continuasse à frente dos preparativos.
A própria Mãe Aice, em entrevista um ano antes de sua morte, chegou a dizer que Oxóssi, seu orixá, queria que ela continuasse. No seu terreiro, no bairro do Engenho Velho da Federação, sem atividades há um ano, uma das irmãs da mãe de santo declarou ao CORREIO que ela amava o que fazia.
“Ela era apaioxanada pela festa. Gostava muito do que fazia e era querida por todos os pescadores. No dia da cerimônia, para receber o presente, ela preparava tudo, dava de comer a toda marujada”, disse Ana Lúcia, 64, sem dar mais detalhes sobre a vida e morte de Mãe Aice.
Mãe Jacira conta que o convite para substituir Mãe Aice foi feito pelo presidente da colônia, Marcos Antônio Chaves, o Branco, 56. “Foi eu quem escolhi. Mãe Jacira já produzia o presente da colônia dos pescadores do Largo da Mariquita. Foi assim que surgiu o convite”, justifica Branco. Mãe Aice participou da festa durante 40 anos.
A contragosto ou não, será Mãe Jacira a responsável por preparar a casa, arrumá-la, e fazer o ritual que ela prefere chamar de “descarrego”, sem dar detalhes do que acontece – antes da chegada da oferenda.
Preparativos
No dia da Festa de Iemanjá, depois da entrega do presente, os largos do Rio Vermelho começam a lotar. Encher não só de fiéis, mas daquela turma também que só vai pela farra. E para dar conta de que tudo funcione, comerciantes já montam suas barracas e os últimos reparos já estão sendo feitos.
A comerciante Rita de Cássia, 53, armou seu tabuleiro de flores dois dias antes da festa. Ela pretende guardar o lugar, próximo à colônia, para nenhum outro comerciante criar pelo espaço. “Vou ficar até que a minha barraca maior chegue. Todos os anos fico no mesmo lugar. A festa significa muito para mim, não só por questão de trabalho. Claro, é importante, mas pelo orixá também”, conta Rita. Nesta sexta, ela pretende vender mais de mil rosas. Enquanto isso, se contenta com o movimento de pessoas tão calmo como as ondas do mar ali do lado.
Fonte: Correio*